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PARIS VALE BEM UMAS OLIMPÍADAS?
A Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos 2024 em Paris pretendia ser arrojada, singular e excepcional. No dia 26 de Julho, a organização apresentou um novo modelo de cerimónia de abertura das Olimpíadas da Era Moderna, e, ao contrário das anteriores edições, esta não teve lugar num estádio, foi realizada no coração da cidade e ao longo do rio Sena.
O programa das cerimónias de abertura e de encerramento, mantido em segredo atá à sua realização, foi supervisionado pelo actor e encenador Thomas Jolly, director artístico das as cerimónias Olímpicas e Paraolímpicas Paris 2024, com a colaboração de Damien Gabriac, actor, autor e realizador; a argumentista Fanny Herrero, realizadora da série "Call my Agent!"; a escritora Leïla Slimani e o historiador Patrick Boucheron, para criar um espectáculo extravagante, cuja narrativa se adaptasse à capital e que mostrasse a história, a arte e a cultura de França para 300.000 espectadores com a expectativa de alcançar mais de mil milhões de telespectadores em todo o mundo.
"A inspiração para a nossa escrita foi, evidentemente, a França. O seu grande património e a sua cultura, que é rica há séculos. E, Paris, e este percurso, que faz fronteira com monumentos parisienses ricos em cultura e história, como o museu do Louvre", declarou Damien Gabriac.
O espectáculo, em grande escala, dirigido por Thomas Jolly, contou com uma mistura entre o tradicional e o moderno, mostrando as culturas contrastantes da França, da ópera ao rap, numa amálgama visual, artística e coreográfica que pretendia manifestar a actual identidade multicultural de França.
Como definido pela Carta Olímpica, os procedimentos combinariam a abertura formal e cerimonial deste evento desportivo internacional, incluindo os discursos de boas vindas, hasteamento das bandeiras e a parada das nações, com um espectáculo artístico para mostrar a história e a cultura da nação.
Foi construída uma narrativa cinematográfica pela cidade, onde várias personalidades participaram em momentos chaves, como no início como o actor marroquino Jamel Debbouze, no Stade de France, Zinédine Zidane que corre pelas ruas de Paris e que entrega a tocha olímpica a uma criança imigrante, acompanhada de um menino e uma menina. Esse grupo de três crianças, por sua vez, transportam a tocha olímpica e chegam a uma catacumba. De lá, são paradas por uma pessoa misteriosa – o mascarado -, que os leva de barco até ao rio Sena. Tem, então, início o desfile das embarcações que transportam os 205 comités participantes dos Jogos Olímpicos de Paris.
O desfile continua pelo rio Sena com dançarinos com plumas cor de rosa que acompanham Lady Gaga, numa interpretação de Mon Truc en Plumes, da cantora Zizi Jeanmaire. A narrativa alucinante continua na Biblioteca da França, enquanto aviões da Força Aérea Francesa formam um coração no céu. A cantora pop franco-maliana Aya Nakamura actua num quadro musical com a banda da Guarda Republicana Francesa.
A história continua no Museu do Louvre, onde se descobre que a Mona Lisa foi roubada. Aparecem em cena os minions, personagens do filme norte-americano "Gru: O Maldisposto".
Segue um dos cenários da Revolução Francesa, a que se juntam a banda de heavy metal Gojira e a cantora de ópera Marina Viotti, acompanhados por bailarinos, recordam a revolução Francesa com alusão à decapitada rainha Maria Antonieta.
Encerra o desfile dos atletas olímpicos a cantora Axelle Saint-Cirel com a interpretação da "Marselhesa", enquanto são homenageadas dez mulheres que marcaram a história Francesa.
Um desfile de moda acontece numa das pontes do Sena onde um grupo de activistas LGBTQIA+ e drags queens reproduz um tableau vivant, com acompanhamento da DJ Barbara Butch.
A tocha é entregue a Zinédine Zidane, que a passa ao tenista Rafael Nadal, que, por sua vez, a entrega a Serena Williams, esta a Nádia Comaneci e Carl Lewis. Ao chegarem ao Museu do Louvre, este grupo de famosos atletas passa a chama olímpica a Amélie Mauresmo, que passa a chama a Tony Parker no local, que faz o mesmo a outros nomes da história do desporto Francês. Por fim, o casal Teddy Riner e Marie-José Pérec recebem a chama e caminham em direcção à pira, representada por um balão, que simboliza o primeiro voo do mundo. O balão é aceso pela chama olímpica e voa sob Paris, onde aí permanecerá até a cerimónia de encerramento. Flashes de luz iluminam a Torre Eiffel, substituindo os tradicionais fogos de artifício, enquanto Céline Dion, a atracção mais aguardada da noite, interpreta Hymne à L'amour de Edith Piaf.
Confusos com o alucinado roteiro de tão extravagante cerimónia?
Não admira que esta cerimónia tenha dividido as opiniões dos públicos, pois toda a narrativa foi criada tendo como desígnio a transmissão televisiva, e não o público que assistia à cerimónia em Paris, que de resto não podia acompanhar a cerimónia na sua totalidade devido à sua dimensão e diversificada localização na cidade.
A organização demonstrou, com o roteiro escolhido, uma postura de absoluta insensatez, talvez ingenuidade e inexperiência, na escolha e abordagem aos temas escolhidos, na vã ambição de criar a edição mais memorável e original dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, aliada, certamente, à tentação de a colar à omnipresente agenda política de esquerda – Movimento LGBTQIA+, Igualdade de Género, Refugiados, Imigração, entre outros -, que grassa pelas sociedades ocidentais. Estas foram mais fortes do que a sensatez e respeito às sensibilidades dos públicos, e ao bom gosto comum que se espera deste acontecimento desportivo mundial, que deve ser pensado conforme os ideais olímpicos (também estes já condicionados por tal agenda).
Os momentos musicais, como por exemplo o interpretado por Lady Gaga, gravado e emitido em tela gigante, deixando o público defraudado com tal desonestidade; a dispersão da narrativa da história pelos diversos locais históricos parisienses, impossível de compreender pelas centenas de milhares de pessoas que assistiam à cerimónia em Paris; o quadro vivo alusivo à pseudo "A Festa dos deuses" (1635-1640) de Jan Harmensz van Bijlert, cuja percepção imediata foi a de se tratar da "Última Ceia" (1495-1498) de Leonardo da Vinci, por cerca de 46 milhões de Franceses católicos, e por mais de mil e trezentos milhões de pessoas, que representam 19% da população católica do mundo, num país onde a religião Católica foi a religião oficial do estado desde a coroação de Clóvis. A relação entre o povo Francês e a Santa Sé era tão intensa, que a França era chamada de "A filha mais velha da Igreja" e o seu monarca "o mais católico dos reis". Assim, a História de França foi aqui desrespeitada e ignorada.
A farsa continua no Museu do Louvre, com a recordação do roubo da Mona Lisa em 1911, e que os criativos, num golpe hollywoodesco, usaram personagens de animação 3D.
Talvez o momento mais aberrante da cerimónia tenha sido a celebração da Revolução Francesa, tendo como ícone a malograda rainha Maria Antonieta, que é apresentada a cantar com a cabeça separa do corpo num desvairado espectáculo musical. Assim, celebrou-se uma república radical, autoritária e militarista, na ascensão de Napoleão Bonaparte, que trouxe a guerra à Europa; e, também, o Terror, que decretou a morte da rainha, e teve como resultado a condenação à morte de mais de 40 mil pessoas. Quanto à tolerância proclamada por Anne Descamps, directora de comunicação de Paris 2024 - Comité da Organização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2024, estamos conversados.
Convém, no entanto, corrigir o "facto histórico" do balão que transporta a pira olímpica ser inspirado no primeiro voo do mundo, em 1783, por Jacques Charles. De facto, em 8 de Agosto de 1709, o Português Bartolomeu de Gusmão fez voar um balão aquecido a ar quente perante o rei D. João V. em Lisboa.
Salvou-se a honra de tão desconchavado evento com a actuação emotiva de Céline Dion, com a interpretação de Hymne à L'amour de Edith Piaf.
Por tão imprudente e pretensa mostra da cultura, história, património, os criadores, iludidos por uma visão de ilusória grandeza, sustentada em preconceitos ideológicos-políticos, desprezaram a sensibilidade e percepção dos públicos, presente e televisivo, corromperam o ideal da Carta Olímpica, não percebendo a diferença entre o simbólico e o literal, transformando a Marca País num vulgar catálogo de vendas turístico-burlesco.
Por tudo, e também pela desastrada
organização – a própria bandeira Olímpica foi hasteada ao contrário - que não
contemplou o conforto do público, deixando-o desprotegido perante o clima,
fosse quente, ou chuva, sem que tivesse sido acautelada a construção de
coberturas nas bancadas. Assim, o triste espectáculo das infelizes pessoas
cobertas por plásticos sob a saraivada da chuva, a má qualidade das águas do
rio Sena, impossibilitando a realização de provas, somando todo o restante e
risível programa, com raríssimas e honrosas excepções, compreende-se que os
patrocinadores como a empresa de tecnologia C Spire tenha anunciado a sua
retirada – "Ficámos chocados com a zombaria da Última Ceia durante as
cerimónias de abertura das Olimpíadas de Paris. C Spire retirará nossa
publicidade das Olimpíadas", seguida pela Samsumg.